Bate-papo 23 de junho - 18h
Enrico Testa tem dois livros lançados este mês no Brasil
por Dorva Rezende
Um dos principais nomes da poesia italiana contemporânea, poeta e
professor estará em São Paulo e em Florianópolis para o lançamento de seus
livros e para participar do Seminário Resíduos do Humano
Um dos grandes nomes da poesia contemporânea na Itália, o genovês Enrico
Testa volta ao Brasil, dois anos após o lançamento da tradução de Ablativo (Rafael Copetti Editor, 2014), para
participar do Seminário Internacional “Resíduos do
humano: experiência e linguagem na literatura italiana das últimas décadas”, de
20 a 24 de junho, na Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. Antes, no
dia 18, na Casa das Rosas, em São Paulo, marca presença no lançamento da
tradução de seu livro de poemas de 2005, Páscoa
de Neve (Rafael Copetti Editor, 2016), e
do volume Cinzas do século XX
(7Letras, 2016), compilação das três aulas que proferiu em 2014, em
Florianópolis.
Professor titular de Historia da
Língua italiana na Universidade de Gênova, cidade em que nasceu, em 1956, o
crítico literário Enrico Testa povoa os seus poemas com lembranças, lugares,
pessoas que deixaram marcas por momentos cotidianos, mas também especiais, uma relação com o passado, com aquilo
que não existe mais, mas que de algum modo ainda resta. Testa também é o poeta
da incompletude, cuja aceitação,acredita, seja um passo fundamental do nosso
estar no mundo, cometendo um número limitado de danos: “Tal princípio também
pode ser válido na escritura: nem estátua nem monumentos (antigas figuras da
obra literária que ciclicamente retornam em certas tendências sacrais ou
‘absolutas’), mas admitir o fato de que a poesia, no fundo, partilha da
fragilidade da nossa existência, e com ela, dos sentimentos que nos agitam e do
nosso destino comum. Gosto de pensar nos meus versos como uma escritura sútil,
de letras pequenas, quase um hieróglifo, glosa ou nota, à margem de um texto, a
vida, que nos fascina e nos destrói”, diz Testa.
Na
Casa das Rosas (Av. Paulista, 37,
bairro Bela Vista), no sábado, dia 18, a partir das 19h, haverá a leitura de alguns poemas dos dois
livros traduzidos no Brasil, Ablativo (traduzidos por Patricia
Peterle, Silvana de Gaspari e Andrea Santurbano) e Páscoa de
neve (tradução de Patricia Peterle). Além desses, estão previstas também
a leitura de alguns outros poemas que permeiam a escrita de Testa, obras de Philippe
Larkin, Giorgio Caproni, Eugenio Montale e outros. Num segundo momento,
haverá um bate-papo com as presenças de Patricia Peterle, Lucia Wataghin,
Aurora Bernardini e Julio Mendonça, que tratarão de algumas tendências dessa
poesia.
Na UFSC, em Florianópolis, o Seminário
Resíduos do Humano (http://residuosdohumanoufsc.blogspot.com.br) traz para o foco
da discussão uma reflexão sobre a produção poética e narrativa italiana, da
segunda metade do século XX até a contemporaneidade, uma literatura que, se de
um lado pode apresentar fortes raízes realistas, de outro, é permeada de
fraturas, digressões e matizes que colocam em discussão o estatuto da palavra e
o estatuto do humanismo. Enrico Testa
participará do seminário junto com os colegas italianos Andrea Gialloreto, da
D’Annunzio Universitá di Chieti-Pescara, e Fabio Pierangeli, da Unversitá degli
Studi di Roma, além da professora de Literatura Italiana da USP, Lucia
Wataghin, e os professores da UFSC, Andrea Santurbano, Patricia Peterle e
Sergio Romanelli.
Leia,
abaixo, uma entrevista com Enrico Testa:
Pergunta - Quais são
as tendências e movimentos da poesia italiana hoje?
Enrico Testa - É difícil isolar tendências e movimentos na poesia italiana hoje. Não
se pode negar que, em geral, há uma
riqueza expressiva (talvez maior do que na narrativa) e a presença de várias
soluções linguísticas e ideológicas. No mais, entretanto, vejo só confusão.
Todos os grandes mestres já morreram (e muitas vezes não são nem lidos pelos
jovens poetas). E os que deviam colher a herança e o prestígio não foram
capazes de fazê-lo, também por conta da mudança das condições culturais e pela
diminuição do peso social da literatura. Um panorama indistinto é o que se
destaca diante dos meus olhos. Provavelmente, graças também aos meus limites. Ou
graças ao fato de existir mais uma exigência de poeticidade, veiculada por
formas de caráter midiático, do que a poesia na sua veste habitual; ou devido
ao meu sofrimento para com as “panelinhas” e grupos ou, ainda, graças ao efeito
pulverizador dado pela galáxia da poesia na Rede. De todo modo, confesso que não
entendo mais nada.
Pergunta - Em 2014 Ablativo
(Rafael Copetti Editor) chegou no Brasil, agora mais um volume de poesia Páscoa de neve (Rafael Copetti Editor).
Como pensar seu percurso poético e essa chegada em terras brasileiras?
Testa - O percurso da minha escritura poética seguiu um caminho isolado. Os
meus contatos pessoais com autores italianos contam-se em uma só mão. Evito
participar de eventos ou ‘leituras’ de versos. Não faço parte de grupos
organizados, revistas ou movimentos. Enfim, sigo por conta própria. Escuto as
experiências que vivo até que não se transmutem (nem sempre, por sorte) na
exigência de serem postas no papel.
Tenho a esperança de que outros encontrem nesses ‘relatos’ em verso alguma
coisa de comum com a vida deles ou que, lendo, possam descobrir em si algo que já
havia, mas estava inexplorado ou silenciado. É isso. Esse é o único princípio
que, mudando tons e estilo nos anos, me guiou de livro em livro. Fico muito
feliz que, depois de Ablativo, Páscoa de neve também esteja à
disposição dos leitores brasileiros, permitindo que eu retorne em um país que
amo muito. Mas, isso não é mérito meu. É mérito de quem acreditou e enfrentou a
fadiga da tradução. Toda a minha gratidão vai para eles.
Pergunta - Cinzas do século XX (7Letras) é fruto de
um curso realizado em 2014 em Florianópolis. A imagem da cinza é, na sua
opinião, a que marca a literatura do século XX e, em particular, a poesia?
Testa - A cinza não é, com certeza, a única figura-síntese do século XX. Porém,
certamente, é uma das mais recorrentes e significativas: tantos em suas dobras
históricas (por evocar grandes tragédias do século) quanto como marca de uma
desconfiança ontológica e de uma condição pós-metafísica. Difícil, às vezes,
separar os dois aspectos. São numerosos os autores que da cinza conseguiram
fazer uma temática relevante: de Sebald, para quem “tudo é combustão”, a Danilo Kiš; de Haroldo Piter a
Paul Celan, que liga a cinza à reflexão sobre o nome dos desaparecidos. E Philip
Larkin inicia um de seus poemas de 1943 (publicado em 1978), com o seguinte
verso: “The fire is ash”. Na Itália,
a cinza está presente tanto em poetas como Eugenio Montale (“a cinza dos
astros” de Arsenio), Vittorio Sereni e Giorgio Caproni quanto na prosa: ocupa,
por exemplo, muitas paginas de Os
afogados e os sobreviventes de Primo Levi. E sob essa mesma marca se
encerra A lua e as fogueiras de
Cesare Pavese. Da mesma forma, não se pode esquecer que cinza – na convivência
dos opostos, própria da literatura e da filosofia modernas – é emblema de
abertura para os domínios do humano e do não-humano, paciência que se faz dom,
melancolia quase jocosa. Para também recuperar Francisco de Quevedo citado por
Derrida, “polvo enamorado”.
Pergunta
- Em um dos poemas de Pasqua di Neve (2005), você escreve que não são suficientes nem a oração e nem o
pensamento, só o sono: “só a calma do sono”. Em Ablativo (traduzido em
2014, Rafael Copetti Editor) esse mesmo termo retorna várias vezes e há ainda
uma seção intitulada “No sono”. Quão importante é essa dimensão?
Testa -
Sono e sonho são dois aspectos ou
estruturas importantes na minha poesia. Em relação ao primeiro, sinto muito
próximas de mim algumas observações de María Zambrano. O adormentar-se como a
realização do lugar da comunidade dos corpos, no sono somos, todos, uns iguais
aos outros; como passividade que, não assimilável à antiga similitude da imago mortis, ao contrário, age, se
move, inventa sonhos e narra para si histórias e as conta para outros nunca
ausentes. O sonho também visto como regressão a uma situação arcaica, retorno
àquele singular início, obscuro e trágico, de ser abandonados em vida, em uma
vida deixada a seu destino, suspensão, queda e o precipitar numa dimensão precedente
ao nascimento. E é denso o povoar de figuras que aparecem na cena do sonho, que
não me parece, segundo convicções usuais, somente a manifestação ou a
realização de um desejo, mas sim um fato muito mais complexo. Agora, com a
ajuda, de Derrida: o elemento que acolhe o luto, a obsessão, a espectralidade
de todos os espíritos, mas também um lugar hospitaleiro tanto para a exigência
de justiça quanto para as mais invencíveis experiências messiânicas. Além
disso, o sonho é, normalmente, o momento em que o eu interpreta o papel de uma
terceira pessoa, até “se ver” realmente nesse papel, e no qual encontra seus
mortos. De fato, o sonho (com a poesia) é a única experiência do existir que
nos permite tal contato. Nem a morte, por mais que podemos pensá-la, com um
empurrão da imaginação, nos assegura essa possibilidade de encontro, ora
atormentado ora eufórico.
Pergunta - Sanguineti, Sereni, Caproni, ou
ainda Montale, Pascoli são nomes da tradição poética italiana que gravitam em
seus versos. Que diálogos estabelece com a poesia em língua italiana ou com a
de outras tradições culturais?
Testa - Não acredito que, com raríssimas
exceções, exista uma poesia (pelo menos na tradição ocidental) capaz de nascer
sozinha, pura e absoluta, sem um diálogo com a tradição, recente ou remota,
nacional ou estrangeira. No fundo, se escreve também porque outros escreveram antes de nós e porque outros depois
de nós também irão escrever. Um tecido de vozes que, entrelaçadas na mesma
urdidura da existência, procuram um sentido e alojam uma memória; e que talvez,
constituam, para além das questões de mercado, o princípio sobre o qual se rege
a literatura. Uma tendência bastante disseminada hoje, na Itália, ao contrário,
é a de que para escrever versos basta a “inspiração”, com as consequentes
falanges de poetas que, na verdade, não leem nem textos da tradição poética nem
textos, muitas vezes os mais importantes, de outros gêneros como o narrativo, o
histórico e o ensaístico. Enfim, escreventes-não leitores, um fenômeno
sociológico para o qual a civilização dos consumos e a endêmica difusão dos
vários meios de comunicação de massa muito contribuem.
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